Segunda-feira, 26 de Abril de 2010

Mobbing no local de trabalho - 2ª parte

2ª parte

 

 

                    I.       Uma terceira característica diz respeito à forma como os acontecimentos se geram: devem ser considerados não-desejáveis e não-solicitados

Naturalmente que somos levados a considerar que comportamentos como os descritos não são desejáveis nem solicitados.

No entanto estes aspectos não podem deixar de serem mencionados pela importância que têm em vários contextos entre os quais, por exemplo, na avaliação do assédio sexual.

Contudo, mesmo em termos do Abuso Emocional no local de trabalho, não deixam igualmente de ter importância. Há algumas políticas laborais, informa Keashly, que exigem que antes da queixa poder ser levada mais além e ser tida como uma consequência lesiva, é preciso que o ofendido tenha dito explicitamente ao ofensor que não gosta da forma como este o trata e que tem de parar com esse tipo de comportamento ofensivo.

Este aspecto é, contudo, dificilmente aplicável a vítimas que, pela sua maneira de ser, têm dificuldade em se auto-afirmarem nestas situações e sofrem intensamente com elas.

 

                  II.       Uma quarta característica diz respeito à forma como os acontecimentos violam o padrão de conduta apropriada em relação a terceiros

É de esperar, num ambiente de trabalho, que os empregadores tratem os empregados com a dignidade que é devida a qualquer ser humano. Contudo, estes pontos não são fáceis de especificar de uma forma concreta.

No entanto, um estudo elaborado por Keashly, Welstead e Delaney (1996)[1], levou a identificar, referido pelos trabalhadores, alguns tipos de atitudes positivas consideradas importantes num ambiente de trabalho:

(1) – uma sobrecarga de trabalho que não ultrapasse os limites do que é razoável,

(2) – encorajamento nas actividades realizadas pelo trabalhador,

(3) – recursos suficientes para o trabalho poder ser realizado,

(4) – conceder ao trabalhador uma autonomia e/ou autoridade apropriadas,

(5) – reciprocidade em lugar de exclusão na tomada de decisão de responsabilidades e de tarefas,

(6) – uma definição clara de disciplina e

(7) – uma orientação clara e específica do que é esperado e requerido para a realização do trabalho.

Independentemente destas atitudes positivas foi igualmente considerado desejável não serem observadas as atitudes negativas seguintes:

a) – berros e gritos no relacionamento interpessoal,

b) – críticas à vida pessoal do trabalhador,

c) – acusações de alguma coisa que não foi cometida e

d) – demonstração de desinteresse em relação aos trabalhadores.

 

                III.       Uma outra característica para que determinado comportamento possa ser considerado abusivo é ser susceptível  de ocasionar dano ou lesão no indivíduo que dele se torna vítima.

Neste âmbito cabe um largo número de consequências, que dizem respeito à saúde física e mental, equilíbrio emocional e repercussões no emprego.

No que respeita à saúde física o indivíduo pode vir a sofrer de doenças específicas, tais como um enfarte do miocárdio ou hipertensão ou simplesmente uma fadiga persistente, dores de cabeça e dificuldade em dormir.

Em relação à saúde mental o ser humano pode desenvolver um estado de ansiedade ou de depressão ou chegar ao extremo de se suicidar.

Um equilíbrio emocional perturbado pode notar-se pelo aparecimento de sentimentos de cólera, ressentimento e cinismo.

No que respeita ao emprego o mal-estar sentido pela vítima pode levá-la a diminuir a sua produtividade, a aumentar o seu absentismo e a diminuir o seu gosto pelo trabalho.

 

                IV.       Um outro ponto que leva determinado comportamento a ser considerado abusivo é o facto do ofensor revelar uma atitude intencional de fazer mal à vítima, quando está em condições de saber controlar o seu próprio comportamento

Quanto mais a vítima tem a percepção de que o comportamento do ofensor é intencional e de que este poderia perfeitamente evitar “comportar-se daquela maneira”, mais aquele comportamento tende a ser considerado como abusivo.

 

                  V.       Os comportamentos são considerados abusivos quando o ofensor se encontra numa posição de poder em relação à vítima.

Keashly (1998) refere que na literatura sobre situações de abuso no local de trabalho o poder costuma ser definido operacionalmente como a posição de um indivíduo dentro da hierarquia da organização.

No entanto a autora menciona que embora haja numerosos estudos que apontam os superiores hierárquicos como sendo ofensores, há igualmente trabalhos que mencionam que os ofensores são os próprios colegas de trabalho e mesmo subordinados contra superiores hierárquicos. Estes factos levam a concluir que, na estrutura de uma organização, podem desenvolver-se diferentes formas de poder.

Um superior hierárquico, assinala Keashly, tem o poder que é inerente à sua autoridade formal, à influência sobre as normas da instituição e o clima de trabalho; para além destes aspectos tem ainda poder na distribuição de recompensas ou de coacções, de que dependem a avaliação do desempenho de um indivíduo, a recomendação para promoção ou para uma tarefa de que ninguém gosta.

O poder dos pares sociais advém da interdependência das tarefas do emprego, das avaliações feitas pelos companheiros de trabalho e do apoio diferenciado por parte de um superior.

O poder dos subordinados pode advir da interdependência das tarefas e do apoio recebido de um grupo como, por exemplo, um sindicato.

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Na Figura 3 apresentamos de forma gráfica as sete características específicas de um comportamento abusivo, tal como foram assinaladas por Loraleigh Keashly.

 



[1] Citado por Loraleigh Keashly (1998)

 

Figura 3 – Características dos comportamentos abusivos , segundo Loraleigh Keashly (1998)

 

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Vamos considerar agora o ponto seguinte, respeitante às fases de escalada de Mobbing[1].

 

As fases de escalada do Mobbing

Assinala  Heinz Leymann[2] que o Mobbing surge a partir de um conflito entre duas pessoas que, em dada ocasião, ocorre no ambiente de trabalho. O aparecimento dos comportamentos típicos de Mobbing pode ser muito rápido ou demorar algumas semanas a manifestar-se.

Davenport, Schwartz e Elliott (1999) especificam da mesma maneira que o Mobbing costuma ter como antecedente um conflito entre duas pessoas, determinado por um incidente na vida profissional. Um dos indivíduos que deu origem ao incidente passa a tornar-se alvo de descrédito, por parte do outro com quem ocorreu o conflito, que usualmente tem uma personalidade hostil. Este começa a manifestar para com a vítima um comportamento agressivo, desrespeitador e lesivo da sua auto-estima, que vai aumentando em frequência e intensidade. O ofensor passa a provocar a vítima e a dirigir-se-lhe em termos depreciativos. Em relação às outras pessoas do mesmo ambiente de trabalho, passa a fazer insinuações que levam ao descrédito do ofendido. Este vai-se afundando progressivamente no seu papel de vítima indefesa e a sentir que não tem nem aptidões nem recursos para se defender. À sua volta começa a gerar-se um ambiente que se lhe torna penoso e desagradável. A atmosfera criada incita a que outros, que cumprem funções na mesma empresa, passem igualmente a participar, de forma voluntária ou involuntária, em acções de maledicência contínua, que fazem com que a vítima não só se sinta mal mas igualmente comece a sentir desejo de sair do emprego. Este tipo de conduta tende a escalar em violência até levar a acções abusivas e aterrorizantes. A vítima vai perdendo a esperança de ultrapassar satisfatoriamente a situação. O ambiente deteriora se a administração não põe um fim a esse tipo de comportamento. Este facto nem sempre ocorre. Há casos em que a administração chega mesmo a consenti-lo ou até a planeá-lo.

O processo de Mobbing costuma decorrer, de um forma sintética, ao longo de cinco fases distintas.

1.ª) - Um determinado incidente dá origem a um conflito.

2.ª) – Após o conflito, começam a surgir provocações psicológicas e comportamentos ofensivos dirigidos contra dada pessoa que activam a dinâmica do Mobbing. Começam a circular insinuações e rumores que levam a descrédito público e a criar à volta da vítima um ambiente hostil.

3.ª) – Na terceira fase, surge o envolvimento da administração que pode, por vezes, desempenhar uma parte no ciclo negativo, distorcendo o significado da situação ou chegando mesmo a tomar parte nela. O indivíduo começa a notar que em lugar de obter apoio fica cada vez mais isolado.

4.ª) - A vítima passa a ser considerada como pessoa difícil ou com doença mental. A partir de então passa a viver numa situação crítica.

5.ª) – A última fase corresponde à expulsão. Quando o indivíduo eventualmente sai da empresa onde trabalha, o mal-estar não termina. As consequências físicas e psicológicas que já sentia podem manter-se e agravar-se, particularmente quando existem dificuldades económicas e não se lhe torna fácil arranjar novo emprego. Por vezes o ofensor, mesmo depois da vítima ter saído do emprego, continua a persegui-la, dizendo mal das suas capacidades de trabalho para potenciais empregadores.

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No Quadro 3 mencionamos, de forma sintética, as diversas fases da escalada do Mobbing.

As fases de escalada do Mobbing

a) - O Mobbing inicia-se por um conflito entre duas pessoas, determinado por um incidente na vida profissional.

b) - Um dos indivíduos, que deu origem ao incidente, passa a tornar-se vítima de descrédito e provocações, por parte do outro com quem ocorreu o conflito. O ofensor tem usualmente uma personalidade hostil. Começa a surgir, em redor da vítima, um ambiente desagradável que perturba o seu bem-estar.

c) – Numa terceira fase costuma ocorrer o envolvimento da administração da empresa. Pode ter uma actuação positiva, fazendo terminar o conflito. Contudo, a administração por vezes adopta uma forma negativa de agir, em que não só aceita as razões do conflito como pode incentivá-lo. Neste caso a vítima sente-se sem apoio e isolada.

d) – Numa fase subsequente a vítima costuma passar a ser considerada “pessoa difícil” ou com “perturbações mentais”. Estas insinuações contribuem para agudizar a sua situação.

e) – A última fase corresponde à expulsão. Com a saída do indivíduo do emprego o seu mal-estar, psicológico e físico, não termina. O facto torna-se mais grave quando não é fácil arranjar novo emprego e quando existem dificuldades económicas.

Quadro 3

 

¤

Mencionados estes aspectos vamos agora referir-nos à epidemiologia do Mobbing.

 

Epidemiologia do Mobbing

Loraleigh Keashly (1998) refere que na última década a violência e o assédio no local de trabalho têm vindo a ganhar uma atenção progressivamente crescente, tanto em termos públicos como em investigação. Realça que as pesquisas mais recentes mostram que há uma outra forma de violência nos ambientes de trabalho que é mais frequente que as outras, tem efeitos semelhantes à violência física, sexual e racial, embora apareça sob uma forma socialmente mais aceitável. Transparece em diversas manifestações de comportamento que têm por finalidade a intimidação psicológica de dado trabalhador e que têm graves repercussões sobre a saúde física e mental do indivíduo.

A importância da violência psicológica nos locais de trabalho tem sido realçada por muitos outros autores.

Sutherland e Cooper (2000) salientam que os níveis de violência no local de trabalho têm vindo gradualmente a aumentar. Segundo estes cientistas, num estudo realizado em 1996 na União Europeia, concluiu-se que 6 milhões de trabalhadores foram vítimas de violência física e 12 milhões foram sujeitos a intimidação e violência psicológica.[3]

Investigações realizadas na Suécia nos anos 90 levaram a considerar que 3,5 % da força de trabalho é vítima de Mobbing. Traduzindo o facto em números mais explícitos, podemos referir que, em 4,4 milhões de pessoas, há cerca de 154.000 vítimas.

De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal[4], no ano de 2003 existia um total de 5.460.300 indivíduos como população activa trabalhadora. Se aplicarmos o mesmo valor percentual verificamos que em Portugal devem existir cerca de 191.110 pessoas vítimas de Mobbing.

Se estes dados forem transpostos para a força de trabalho dos E.U.A., que envolve cerca de 127 milhões de pessoas, então mais de 4 milhões de indivíduos estão ou podem estar, em qualquer ano, a ser vítimas de Mobbing.

Alguns investigadores referem percentagens mais elevadas. Andy Ellis (2002) salienta que no Reino Unido, em estudos realizados em 1994 pela Staffordshire University Business School, foi verificado que 1 em cada 2 trabalhadores foi vítima de Mobbing ao longo da vida.

As pessoas mais expostas são as que se encontram entre os 21 e os 40 anos. Contudo, as consequências são mais graves e prolongadas nas pessoas com mais idade, quando são postas fora do seu emprego.

Num estudo elaborado por Soares (2002), com o auxílio da «Centrale des syndicats du Québec», o autor conseguiu reunir as respostas de 660 trabalhadores, 96,1 % canadianos e 3,9% imigrantes. Da amostra faziam parte 71,3 % de mulheres e 28,7 % de homens. Dos resultados obtidos comprovou que uma pessoa em cada três, entre os membros da «Centrale des syndicats du Québec», foi vítima de assédio psicológico no local de trabalho. Contudo, tendo em conta o que se passou no decurso de um ano - o último ano do seu estudo - o facto tinha ocorrido em um de cada cinco trabalhadores.

A 19 de Abril de 2001 foi assinado um protocolo de investigação entre o IDICT e a Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade de Coimbra com o objectivo de realizar um estudo sobre Mobbing nos locais de trabalho. Diversos estudos têm revelado que o sector público pode constituir uma área preferencial de Mobbing. Atendendo ao exposto este primeiro estudo incidiu sobre os CTT (região de Coimbra) e os Hospitais da Universidade de Coimbra, empresas que envolvem um número vasto de trabalhadores, com funções diferentes, alguns dos quais têm um contrato individual de trabalho e outros têm vínculo à função pública.

Obtivemos uma amostra de 622 trabalhadores, que foram analisados com um inventário de personalidade – E.P.I. (H.J. Eysenck e Sybil B.G. Eysenck) na versão portuguesa aferida por Vaz-Serra, Ponciano e Fidalgo de Freitas (1980) - para medir as variáveis de Introversão/Extroversão e Neuroticismo/Estabilidade emocional; um inventário para avaliação da vulnerabilidade ao stress – a escala 23 QVS (Vaz-Serra, 2000) e ainda uma escala de 40 questões de avaliação de Mobbing designada por EPM (A.. Vaz-Serra, C. Ramalheira, M. Moura-Ramos e T. Carvalho Homem, 2005)[5], cujas siglas pretendem referir “Escala Portuguesa de Mobbing”. O número de questões desta escala foi posteriormente reduzido para 27, por motivos de natureza metodológia relacionados com a construção da própria escala.

Os resultados encontrados podem ser assim sumariados:

- Na amostra indicada encontrámos uma prevalência de 7,23 % de casos de Mobbing, valor superior ao mencionado por Heinz Leymann, que encontrou uma taxa de 3,5 % nos seus dados epidemiológicos. Se este número for generalizável à restante população com trabalho activo remunerado, o quantitativo para a população portuguesa passa a ser cerca de duas vezes superior ao atrás indicado.

 - Em relação ao EPI e à escala 23 QVS, comprovou-se existirem correlações não só com a nota global mas igualmente com algumas das questões da EPM. Faremos alguns comentários sobre estes aspectos mais adiante, quando abordarmos as características psicológicas das vítimas.

¤

Estabelecidas estas considerações analisemos agora as causas que costumam dar origem a comportamentos de Mobbing.

 

Causas que propiciam o Mobbing

Segundo Sutherland e Cooper (2000) este tipo de comportamento pode tornar-se mais evidente no local de trabalho quando, numa empresa:

- Existe um ambiente extremamente competitivo, há insegurança no emprego e a pessoa tem receio de o perder.

- Há mudanças na organização que dão origem a incertezas.

- Ocorre uma exigência e sobrecarga excessiva de trabalho, com alvos a atingir e tempos limites impossíveis de serem alcançados.

Os mesmos autores referem que uma cultura de autoritarismo, relações de trabalho pobres e uma falta de códigos claros de condutas aceitáveis igualmente o propiciam. O Mobbing é, com frequência, insidioso e subtil, o que determina a que a vítima não tenha testemunhas do facto. Se existem testemunhas estas têm usualmente medo de apoiar a vítima. Por sua vez, a vítima costuma ter receio de fazer qualquer queixa, com medo de que não a acreditem ou que as suas condições se venham a tornar ainda piores.

 

Este tipo de indivíduos podem ser caracterizados por diversas facetas.

 

Características dos indivíduos vítimas de Mobbing

Davenport et al. (1999) questionam: “Pode uma vítima de Mobbing ter características de personalidade que propiciem a que tal lhe aconteça?”... “Os investigadores têm debatido a questão se há qualquer coisa no passado do indivíduo, no comportamento, nas atitudes, no carácter ou nas circunstâncias que predisponham a ser vítima de Mobbing.” Acrescentam que, ao reverem a literatura sobre este assunto não encontram evidência de algum dos aspectos mencionados que justifique o facto.

No entanto há autores que têm encontrado a existência de características de personalidade nas vítimas de Mobbing que as diferencia das outras pessoas.

Coyne, Seigne e Randall (2000), compararam o perfil de personalidade de 60 vítimas de Mobbing com 60 colegas de trabalho que nunca tinham sido vítimas, em duas grandes organizações, uma pública e outra privada. Os dois grupos completaram uma entrevista semi-estruturada e o ICES Personality Inventory, de Bartram (1994, 1998). Comprovaram então que emergiram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Em comparação com o grupo de controlo, o grupo das vítimas de Mobbing tendiam a ser menos independentes e extrovertidas, menos estáveis e mais conscienciosas. Os achados sugerem, segundo os autores, que os traços de personalidade de um trabalhador podem dar uma indicação daqueles que numa organização  estão mais predispostos a serem vítimas de Mobbing.

Matthiesen e Einersen (2001) estudaram com o MMPI-2 85 indivíduos, recrutados de duas associações norueguesas de vítimas de Mobbing. Utilizando o método de cluster analysis o estudo demosntrou que as vítimas se podiam subdividir em três grupos diferentes; “Os gravemente afectados”, “Os desapontados e deprimidos” e “Os comuns, que estavam menos afectados pelo acontecimento”. Contudo os autores verificaram que este último grupo, embora menos afectado do que os outros, era o que tinha tido, surpreendentemente, uma exposição mais elevada ao processo de Mobbing. Este facto torna-se sugestivo da presença de um factor de vulnerabilidade entre as outras vítimas assinaladas. O grupo de indivíduos “Gravemente afectados” tinha como características um nível elevado de ansiedade generalizada, medo de situações específicas e muitos aborrecimentos relacionados com questões de saúde.

Por sua vez, Zapf e Gross (2001), compararam vítimas de Mobbing com um grupo de controlo. O seu objectivo foi tentar investigar se as vítimas de Mobbing usam com mais frequência estratégias específicas de lidar com os conflitos quando comparados com o grupo de controlo e se as estratégias de lidar com as situações de Mobbing são diferentes naqueles que têm êxito a lidar com a situação do que naqueles que não têm êxito. Os indivíduos que têm êxito corresponderam a vítimas que consideraram que a sua situação no trabalho voltou a melhorar em consequência dos seus esforços. Os dados qualitativos analizados por estes autores revelaram que a maior parte das vítimas começam por utilizar estratégias constructivas de resolução de conflitos, mudam as suas estratégias por diversas vezes e, finalmente, tentam deixar a organização onde trabalham. Nas entrevistas feitas verificaram que as vítimas de Mobbing tendem com frequência a recomendar aos que se encontram na mesma situação a saírem da organização onde trabalham e a procurarem apoio social. Num estudo quantitativo que os autores igualmente relaizaram poderam verificar que era frequente evitarem o conbfronto com a situação de conflito. Ao analizarem as “vítimas com êxito” comprovaram que tendiam a utilizar estratégias diferentes das “vítimas sem êxito”. Por exemplo, faltavam um menor número de vezes ao trabalho, reconheciam melhor e sabiam evitar a escalada do comportamento de Mobbing enquanto que, as “vítimas sem êxito”, na sua luta para que fosse feita justiça, contribuíam frequentemente para a escalada do conflito.

No que respeita ao EPI e à escala 23 QVS as correlações positivas encontradas, tanto para a nota global, como para o valor do factor 7 da 23 QVS, parecem indicar que as pessoas mais sensíveis serão as de auto-estima mais pobre.

¤

Abordemos agora as consequências que o Mobbing pode ter.

 

Consequências do Mobbing

Um indivíduo que se torne vítima das circunstâncias descritas passa a sentir um mal-estar crescente que se vai reflectir negativamente na sua produtividade, na saúde física e mental e igualmente na vida social.

O trabalhador começa a manifestar uma menor produtividade. Fica mais propenso a ter acidentes de trabalho. Devido ao seu mal-estar solicita baixas por motivo de doença, durante as quais procura recuperar das pressões a que tem sido submetido.

A nível do ambiente de trabalho é frequente espalhar-se o boato sobre a vítima de que é “pessoa difícil” ou de que sofre de “doença mental”. A partir de então entra numa fase crítica, de resolução cada vez mais complexa.

Se esta situação se prolonga por demasiado tempo é frequente a pessoa deprimir-se. O processo termina quando o ser humano passa a uma situação de reforma ou é negociada uma saída voluntária ou involuntária do local de trabalho. Se ao sair o indivíduo se encontra já na meia-idade torna-se-lhe muito difícil ter de novo ingresso no mercado de trabalho.

De acordo com estudos efectuados por Leymann e Gustafsson (1996), uma situação de Mobbing pode tornar-se tão ameaçadora que dá origem a um Distúrbio de Stress Pós-Traumático.

Estes autores referem que formas graves de Mobbing podem vir a determinar alterações permanentes na personalidade do indivíduo.

Nomeadamente:

- Passa a ter uma atitude de desconfiança em relação a quem o rodeia.

- Sente um estado crónico de nervosismo, com a sensação de que está em perigo constante.

- Manifesta uma fixação compulsiva fatalista em relação ao seu destino, que ultrapassa os limites de tolerância das outras pessoas e contribui para o seu isolamento social.

- Torna-se hipersensível perante as injustiças e revela uma identificação constante com o sofrimento dos outros, de uma forma quase compulsiva.

- Revela sentimentos de vazio e desesperança.

- Deixa de ter prazer nos acontecimentos usuais da vida quotidiana que costumavam ser gratificantes para si.

- Fica em risco de cometer abuso de psicofármacos ou de drogas ilícitas.

- Tende a isolar-se e a sentir que não faz mais parte da sociedade que o rodeia.

- Revela uma atitude cínica em relação ao mundo.

Mikkelsen e Einarsen (2002), ao estudarem 118 vítimas de Mobbing no local de trabalho, verificaram que 76 % manifestavam sintomas correspondentes a um Distúrbio de Stress Pós-Traumático. Contudo, deste grupo, apenas 29 % correspondiam aos critérios definidos pela DSM-IV-TR (2000), pois os restantes 47 % não preenchiam o critério A (1), isto é, não mencionavam agressões graves ou ameaças à sua integridade física no decurso do Mobbing. As medidas da gravidade dos sintomas revelaram que 73,6 % apresentava um prejuízo de funcionamento entre moderado e grave. Os autores comprovaram que a exposição prévia a outros acontecimentos de vida traumáticos pode aumentar a vulnerabilidade das vítimas de Mobbing. Quando as vítimas de Mobbing são confrontadas com indivíduos que não estiveram submetidos às mesmas circunstâncias, verifica-se que aquelas têm propensão para manifestar uma visão negativa delas próprias, dos outros e do mundo.

Em certos casos a falta de tolerância e de resistência do indivíduo que é a vítima destes processos pode conduzi-lo à morte, tanto por doença (usualmente enfarte de miocárdio) como por suicídio. Leymann considera que 15 % dos suicídios registados na Suécia são uma consequência de processos de vitimização psicológica no local de trabalho.

Em qualquer tipo de organização o Mobbing deve ser considerado uma forma doentia de relacionamento interpessoal. De modo semelhante a um cancro, que começa por uma célula maligna que depois se multiplica e dá metástases, também a vitimização psicológica no local de trabalho leva à duplicação de comportamentos indesejáveis que tendem a tornar doente uma empresa saudável, contribuindo para destruir elementos vitais para o seu bom funcionamento.

¤

Vamos agora apresentar um exemplo clínico.

 

A história do Senhor Santiago

O Senhor Santiago, de 54 anos de idade, trabalhava numa empresa que, em dada altura, foi vendida a outro grupo económico. O seu chefe directo reformou-se e o Senhor Santiago ficou a substituí-lo, até que a nova Administração clarificasse as funções que lhe competiriam.

Pouco tempo depois foi chamado ao Serviço de Pessoal para lhe comunicarem formalmente que, não só o lugar que ocupava não era para si, como também teria que sair para um outro Departamento, pois a firma iria ser reestruturada e, no local onde trabalhava, não contavam consigo para o efeito.

Tal situação chocou-o bastante, não só por a considerar uma profunda injustiça, mas também pelo modo como foi conduzida.

 Na nova função que lhe foi atribuída dentro da Empresa, o Director do Departamento referiu-lhe, no primeiro contacto que tiveram, que contava consigo e com a sua experiência para conseguir melhorar os índices de produtividade de um Departamento que, apesar de possuir maquinaria bastante sofisticada, não conseguia atingir índices de rentabilidade minimamente aceitáveis.

Contudo, apesar do que lhe foi mencionado, começou a verificar que se tornara o alvo das maiores desconsiderações. Não lhe era pedida nem a sua opinião nem a sua colaboração para nada. As decisões que diziam respeito ao Departamento não lhe eram comunicadas e chegava a conhecê-las, ocasionalmente, pelos seus colegas de trabalho. Sentia-se diminuído perante estes que, segundo imaginava, poderiam ver nesta atitude que não teria capacidade para ocupar um lugar de maior responsabilidade.

Passou a sentir-se muito ferido na sua auto-estima, a verificar que o depreciavam constantemente e que, afinal, não se aproveitavam do seu conhecimento e experiência como a princípio enganosamente lhe haviam dado a entender.

O problema é que não tinha ninguém a quem recorrer para modificar esta situação.

Passava quase todo o dia fechado no seu gabinete sem lhe darem quaisquer tarefas específicas para realizar. A situação que lhe foi criada fazia-o sentir-se marginalizado, vítima de uma injustiça, sem objectivos definidos, sem saber como ocupar o seu tempo.

Devido a estes factos começou a desenvolver um estado depressivo que gradualmente se foi agravando. Tinha a sensação de que a empresa lhe estava a criar uma situação insustentável, à espera que desse o primeiro passo para se despedir. Mas, com a idade com que já estava onde iria encontrar trabalho? No decurso do estado depressivo que apresentava começou a esboçar algumas vezes, devido à situação relatada, ideias de suicídio.

Com a ajuda de um advogado conhecido, conseguiu negociar com a firma a sua própria saída. Contudo, conforme se antevia, não conseguiu arranjar novo emprego. A sua depressão foi-se agravando e cronificou-se, apesar de tomar medicamentos antidepressores. Acabou por ser reformado por invalidez.

 

¤

Feitas estas considerações passemos a considerar os conselhos a dar a uma vítima de Mobbing.

 

Conselhos a dar a uma vítima de Mobbing

Sutherland e Cooper (2000) referem que há diversas medidas que uma vítima de Mobbing deve tomar para sua defesa.

Uma delas, que se habitue a registar todos os incidentes, com inclusão da data, hora e os pormenores do comportamento da pessoa que a ofendeu. Igualmente deve mencionar os nomes de eventuais testemunhas que estejam presentes. É igualmente importante que registe as suas emoções e as respostas que deu.

Um outro ponto necessário, é que saiba de forma segura quais são as responsabilidades e obrigações que lhe competem, para poder ter a certeza se são justas ou injustas as críticas que recebe.

Uma outra medida que aqueles autores aconselham, é guardar cópias de toda a correspondência trocada com a pessoa que a vitimiza, incluindo qualquer informação relacionada com as suas aptidões de trabalho e desempenho e quaisquer memorandos sobre incidentes ocorridos.

É igualmente aconselhável que tente saber se é a única vítima ou se há mais colegas de trabalho tratados da mesma maneira. Uma queixa tem mais força se for colectiva do que se for isolada. No caso de haver mais colegas a serem tratados da mesma forma vexatória deve procurar falar com eles e tentarem unir-se. Se houver alguém com autoridade dentro da organização que possa dar apoio deve ir expor-lhe a situação. Pode igualmente ir pedir ajuda ao sindicato. Deve ter em conta que a sua vulnerabilidade será tanto mais acentuada quanto mais isolada estiver.

Um outro conselho que aqueles autores dão é evitar estar sozinha com a pessoa que a provoca. Esta pode facilmente negar os factos.

Igualmente referem que não deve deixar a situação arrastar-se indefinidamente à espera que se resolva espontaneamente. Deve procurar uma solução rápida para o problema e, ao fazê-lo, deve dirigir-se à pessoa certa que lhe pode dar ajuda e levar um registo escrito e pormenorizado dos acontecimentos. Também se deve preocupar em efectuar um registo dos acontecimentos após a queixa ter sido apresentada.

¤

Para terminar vamos considerar o que se deve fazer para prevenir o Mobbing numa organização.

 

Como prevenir o Mobbing numa organização 

Devemos considerar que o fenómeno de Mobbing não tenderá a existir se qualquer organização souber instituir as medidas preventivas para que nunca ocorra uma escalada de conflitos, quer dispondo de pessoal treinado para a sua identificação e resolução precoce, quer igualmente dispondo de pessoas com autoridade suficiente, a quem um trabalhador possa recorrer em caso de necessidade.



[1] Embora haja muitos outros termos para assinalar os tipos de comportamento que estamos a referenciar, vamos continuar a manter o termo Mobbing na nossa descrição. Foi um dos primeiros a ser utilizado e tem a vantagem, como vocábulo, de sintetisar um tema importante de stress no trabalho.

[2] © Heinz Leymann - file 11320e - http://www.leymann.se/English/11320E.HTM

[3] Itálico introduzido pelo autor do presente artigo.

[4] http://www.ine.pt/prodserv/quadros/quadro.asp

[5] Psiquiatria Clínica, 26 (3) : 189-211, 2005.

publicado por Paulo Batista às 13:47
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